Por Equipe de Redação
Publicado em 2 de maio de 2022
Empresas digitais estão na vanguarda da neutralização da pegada de carbono. O LABS conversou com Ambipar, WayCarbon, Moss e Nubank sobre o que, afinal, as empresas podem fazer para colaborar para a preservação do meio ambiente.
O primeiro passo para conter a emergência climática — o aquecimento da temperatura da Terra que põe em risco a nossa sobrevivência — era reconhecê-la. Ele foi dado, o assunto já é consenso. Mas agora vem a parte difícil: atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, de 2015, a fim de manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5º C, num esforço coletivo que envolve, também, empresas dos mais diversos setores.
Não é por acaso que nos últimos anos tem aumentado a quantidade de anúncios de empresas se dizendo “carbono neutras”, ou seja, compensando todas as emissões de gases causadores do efeito estufa, como o dióxido de carbono, das suas operações. E não só aquelas cujas operações são explicitamente poluidoras. Empresas digitais estão na vanguarda da neutralização da pegada de carbono.
Desde 2020, nomes como Nubank, C6 Bank, PicPay e Hash, para ficar só no setor de fintechs, atingiram a neutralidade das emissões e outras metas complementares.
“As metas [das empresas] são realmente ambiciosas, mas é porque estamos chegando no nosso ‘deadline’ de aquecimento global mesmo”, diz João Valente, diretor de ativos da Ambipar, empresa brasileira que atua na gestão ambiental, de resíduos e de resposta a emergências.
João está à frente do Ambify, um aplicativo que permite às pessoas calcularem e compensarem suas próprias emissões. Porque, embora não pareça, quase tudo tem um impacto, da nossa alimentação aos meios de transporte.
Ainda assim, o peso dos indivíduos é minúsculo frente à contribuição das empresas. “Se dentro do ambiente ou dentro da plataforma não existissem as empresas, nós, como pessoas, teríamos o carbono neutralizado pela quantidade de floresta que existe”, reconhece João.
O Ambify, prossegue o executivo, é uma iniciativa de educação e conscientização para aumentar a pressão nos grandes poluidores.
Embora fale-se de créditos e compensação de carbono desde o início dos anos 1990, o assunto ainda emana dúvidas. Quando uma empresa se diz “carbono neutra”, o que ela está tentando comunicar, exatamente?
“Quando ela se diz carbono neutro, significa que ela fez o inventário das suas emissões de gases de efeito estufa — das suas operações diretas, ou seja, das suas fábricas, processos industriais, consumo de energia — e comprou créditos de carbono equivalentes a essas emissões”, explica Carla Leal, diretora de growth da WayCarbon, empresa que há 15 anos se dedica à mudança climática atuando em diferentes frentes relacionadas ao tema.
O mercado de créditos de carbono ajuda a mitigar os estragos que as empresas causam. (Um crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono e outros gases poluentes não emitidos na atmosfera.) Esse mercado é, ainda segundo Carla, uma estratégia complementar e jamais deve ser a principal quando se fala em mudanças climáticas.
João, da Ambipar, diz que “o propósito dessa mitigação é os grandes emissores investirem em tecnologia para emitir menos”, uma mudança às vezes muito trabalhosa ou custosa para ser feita rapidamente, ou que sequer é possível com a tecnologia disponível no momento.
A gente achar que uma empresa será 100% carbono zero pelas suas próprias operações ainda parece uma utopia.JOÃO VALENTE, DIRETOR DE ATIVOS DA AMBIPAR.
O propósito primordial, diz o executivo, deve ser sempre que “os emissores, as empresas, indústrias, elas invistam em tecnologia para diminuir esse impacto. A diferença, que não consegue diminuir, aí faz a compensação, através dos grandes sequestradores de CO2 equivalente da atmosfera, do meio ambiente”.
Para Carla, o “roadmap” ideal passa por entender as emissões que a empresa faz, um trabalho realizado por meio do chamado inventário, desenvolver projetos de mitigação, ou seja, de redução das suas emissões, e só aí compensar as emissões residuais que “ainda não tenham sido possíveis de serem reduzidas com a aplicação de todas as tecnologias e projetos pertinentes”.
Em outras palavras, usar a compensação como uma estratégia complementar.
Nem sempre esse caminho ideal é percorrido, porém. Para Carla, a abordagem está relacionada à maturidade da companhia: “Às vezes, quando a empresa ainda não tem um nível de maturidade, de entendimento da agenda, ela usa primordialmente uma estratégia de compensação.”
Só que o entendimento do problema leva a uma evolução da estratégia, que passa a ser coerente com as demandas apontadas por estudos científicos.
Existe todo um ecossistema em torno do mercado de créditos de carbono, com empresas certificadoras e certificadas que prestam vários tipos de serviços essenciais. A Ambipar, por exemplo, tem um departamento específico para a elaboração de inventários de pegada de carbono e certifica o crédito comercializado não Ambify pelo VCS, da Verra, a maior certificadora do mercado voluntário de créditos de carbono.
Em setembro de 2020, o Nubank tornou-se carbono neutro. “Nascemos já 100% digitais há quase nove anos, com um propósito de impactar a vida das pessoas de forma positiva, significativa e duradoura e, por isso, ser uma empresa neutra em carbono é o primeiro passo do nosso compromisso ambiental com a sociedade”, diz Christianne Canavero, diretora global de ESG do Nubank.
O Nubank inventariou suas emissões seguindo os direcionamentos do programa brasileiro do GHG Protocol. “Nosso último inventário, ano-base 2020, foi auditado e publicado no Registro Público de Emissões, e recebeu o selo Ouro pelo GHG Protocol, conferindo o mais alto nível de qualidade e abrangência das informações reportadas”, explica Christianne.
Outra fintech nacional, o C6 Bank, também neutraliza suas emissões desde 2020. Em 2021, as empresas da Carbon Holding, grupo do qual o banco faz parte, emitiram 1.115 toneladas de CO2 e compensaram a totalidade delas com a aquisição de créditos de carbono gerados pela preservação de áreas da Floresta Amazônica.
O compromisso ambiental do C6 Bank alcança diferentes frentes da operação, do prédio onde está sediado, em São Paulo, que possui a certificação LEED (Leadership in Energy & Environmental Design), que reconhece boas práticas no uso de recursos naturais em prédios corporativos, ao material usado na fabricação dos cartões Acqua, biodegradável e feito à base de milho, com o objetivo de reduzir o consumo de plástico.
Na prateleira, o C6 Bank oferece créditos de carbono direto no marketplace, para que os clientes tenham a oportunidade de reduzir suas pegadas individuais de carbono, e na C6 Store, é possível fazer doações a instituições de preservação ambiental, como o Instituto Terra, do casal Lélia Wanick e Sebastião Salgado, que trabalha pela restauração da Mata Atlântica.
Tudo isso parece complexo e até exagerado, mas são medidas importantes para evitar fraudes e, principalmente, a pecha de “greenwashing”.
“Isso existe? Existe”, diz Fernanda Castilho, COO da Moss, empresa nascida em 2020 com o objetivo de digitalizar o mercado de carbono voluntário. Uma das primeiras ações da Moss foi adquirir créditos de carbono, colocá-los numa blockchain — “tokenizá-los”, no jargão do meio — e vender os tokens, chamados MCO2, em exchanges como Mercado Bitcoin, Coinbase e Gemini.
A Moss também vende créditos de carbono diretamente a empresas interessadas em compensar suas emissões. Ao completar dois anos de existência, em março, a Moss celebrou a marca de R$ 150 milhões transacionados para projetos de conservação da Amazônia a partir dos projetos que desenvolve com cerca de 300 empresas parceiras.
“Ao colocar os crédito sem blockchain, você cria um ativo completamente auditável, rastreável, você tem certeza que nenhum tipo de fraude ocorreu”, explica Fernanda. Além disso, permite fracionar o crédito a fim de neutralizar emissões menores, como o cafezinho no meio do expediente. A companhia aérea Gol tem uma parceria com a Moss para permitir que os passageiros neutralizem suas emissões em voos.
O greenwashing, ou seja, usar de ações de marketing para “maquiar” de verde uma operação que, no fundo, não é tão preocupada com o meio-ambiente, não é exatamente novo. “Essa discussão começou em 2003”, lembra Carla Leal, da WayCarbon.
“Quando surgiram os mercados de carbono, tinha muita gente que falava que o crédito de carbono era a compra do direito de poluir. Só que esse entendimento não é correto”, garante.
Para Carla, o mercado de créditos de carbono é uma maneira eficiente em termos de custos de reduzir as emissões globais de gases causadores do efeito estufa. “Existem tecnologias e tipos de negócios que têm maior facilidade de redução das emissões, e existem setores que têm mais dificuldade de redução de emissões”, justifica.
Uma ocorrência comum de greenwashing é a não aposentadoria do crédito comercializado, ou seja, um crédito que é vendido duas ou mais vezes. No Ambify, explica João, a solução encontrada foi recorrer à blockchain, especificamente a BNB Chain, que usa o método de validação “proof-of-stake”, que consome menos energia que blockchains do tipo “proof-of-work”, casos das do bitcoin e ethereum.
“A gente dá a aposentadoria do crédito de carbono e dá também a transparência do próprio blockchain, que faz essa aposentadoria. É o blockchain que valida essa transação e garantindo que não temos condições de negociar o crédito de carbono mais de uma vez.”
O executivo da Ambipar diz, ainda, que é imprescindível ter auditorias independentes e reconhecidas atestando o trabalho de compensação de carbono, “porque senão você vai ter a mesma pessoa que certifica é a mesma pessoa que aposenta é a mesma que mensura, ou a mesma empresa, ou ONG, e aí abre margens para você ter dúvidas.”
Fernanda, da Moss, atribui a atenção crescente à neutralidade em carbono nas empresas à pressão de diversos stakeholders, incluindo as gerações mais novas de consumidores que demandam um papel mais ativo dos empreendimentos de onde consomem em questões ligadas à emergência climática.
A pressão já é tão comum que ganhou nome, ESG, sigla em inglês para meio-ambiente, social e governança.
“Devido a essas pressões, e dos compromissos que as empresas — acho que a questão do ESG não é mais modismo, como já foi chamado no passado. Acho que existe sim uma real preocupação das empresas, tanto internamente quanto com os stakeholders, para ter um impacto mais positivo na sociedade de modo geral”, diz.
É o que acontece no Nubank, que, diz Christianne, tem a neutralização da pegada de carbono como um pilar importante da estratégia de ESG.
Não é só com a compensação de carbono que o mundo dos negócios pode colaborar com a conservação do meio-ambiente.
Em março, a Moss lançou um NFT da Amazonia. São 450 hectares de parceiros, fazendeiros com áreas preservadas na floresta amazônica, divididos em partes de 1 hectare cada e vendidas na forma de NFTs, ou token não-fungível, em plataformas como a OpenSea.
A aquisição do NFT garante ao proprietário direitos econômicos sobre aquele pedaço de terra. Um fundo composto por 25% do valor levantado na venda inicial dos NFTs é usado para proteger a floresta, com monitoramento via satélite e com pessoal em campo, cuidando da floresta, e atuar de imediato em desastres, como incêndios.
Fernanda conta que o projeto dos NFTs surgiu em 2021, quando pequenos proprietários de fazendas na região da Amazonia procuraram a Moss para desenvolver projetos relacionados a créditos de carbono. Os custos de certificação ainda são altos, o que acaba inviabilizando esse caminho para as pequenas propriedades. Daí entra a ideia dos NFTs.
O projeto — ainda piloto, ela ressalta — tem vendido bem. Até o início de abril, as três séries, com 50 hectares/NFTs cada, tinham sido vendidas rapidamente assim que foram colocadas no mercado e já se valorizaram.
“A gente vendeu primeira série a US$ 2 mil cada NFT, a segunda a US$ 2,5 mil, a terceira a US$ 3 mil. Estamos testando precificarão, mercado, demanda etc.”, diz Fernanda.
Até o momento, porém, embora tenha uma missão similar ao do mercado de créditos de carbono, o NFT da Amazônia da Moss não tem nada a ver com ele. “Essas áreas, pelo tamanho, ainda não têm uma viabilidade para o desenvolvimento de projetos de carbono”, justifica a executiva. “Ao adquirir o NFT, você está só enviando recursos para garantir a conservação daquela área.”
“Caso essas áreas venham a gerar créditos de carbono, seja porque conseguimos fazer um condomínio com as áreas, que tenha um tamanho revelante, ou que a gente venha a trabalhar com um novo protocolo de certificação e esses ativos sejam de fato gerados, de alguma forma o proprietário do NFT será recompensando com esses ativos gerados.”
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