Por Equipe de Redação
Publicado em 3 de novembro de 2022
A Ambipar entende que o papel do consumidor final é a chave numa economia circular em que o desperdício seja o mínimo possível.
O conceito de inovação verde, apresentado por AMANHÃ há mais de uma década, se tornou ainda mais relevante com o agravamento das mudanças climáticas e a afirmação de uma agenda ESG.
Em meados de abril, a companhia de gestão ambiental Ambipar anunciou a criação da Universo, um empreendimento pensado para ser uma espécie de show room de negócio sustentável. A ideia é comercializar produtos de uso diário desenvolvidos com materiais reciclados a partir dos resíduos provenientes de indústrias clientes da Ambipar. Também utilizará materiais originados de sua operação de pós-consumo, como na foto ao lado. A linha de produtos da nova empresa, que recebeu um aporte inicial de pouco mais de R$ 2 milhões, é ampla. Inclui luminárias de alumínio e plástico PET reciclados, shampoo e condicionador feitos das sobras de colágeno da indústria farmacêutica e o “ecoálcool” feito de rejeitos de açúcar, milho e arroz, por exemplo. Em sua linha têxtil, a Universo busca mostrar as possibilidades de fabricar tecidos a partir do uso de matérias-primas sustentáveis, como tecidos de casca de banana, amido de milho e plástico biodegradável.
Nas palavras do diretor executivo Vinícius Campion, a Ambipar entende que o papel do consumidor final é a chave numa economia circular em que o desperdício seja o mínimo possível. A Universo teria sido criada com o propósito de dar opções de consumo mais consciente para itens de casa e do dia a dia. “Desta forma, chegamos para ajudar a completar o circuito de economia circular com produtos atrativos e com design de alto nível, que capturem a preferência dos consumidores”, diz Vinícius. Além de inovar na própria concepção do negócio, a companhia também trabalha para entregar produtos altamente disruptivos. “Já estamos trabalhando com modelagem em 3-D e impressão de objetos com fibra de amido de milho também em 3-D.A inovação de processos produtivos e uso de resíduos como matéria-prima é uma necessidade para podermos avançar no tema da economia circular”, sustenta o executivo.
O case que abre esta reportagem revela que o conceito de Greenovation, antecipado por AMANHÃ há doze anos, não apenas tornou-se realidade, como se solidificou e mostra-se vital para os negócios. Ainda mais diante dos constantes alertas de organismos internacionais preocupados com as consequências das mudanças climáticas e seus impactos para o futuro do planeta. No livro Greenovate! – Companies Innovating to Create a More Sustainable World, escrito por Hitendra Patel, Tyler McNally e Ronald Jonash, que foi Capa de AMANHÃ em junho de 2010, o termo é definido como tudo aquilo que cria e captura valor ao atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades. “A sustentabilidade passou do status de desejável para mandatório. O tema abordado em Greenovate era focado em inovações relacionadas a essa que até então era uma tendência macro e hoje já é uma realidade com todo movimento global em práticas ESG”, sentencia Patel ao refletir sobre os ensinamentos do livro mais de uma década depois. “Observando um dos nossos programas globais, o Innovation Olympics, observamos uma crescente preocupação pela geração de valores sociais e ambientais nas soluções de inovação”, revela. A percepção do especialista é uma unanimidade entre os acadêmicos e gestores ouvidos para esta reportagem.
Caminho sem volta
Para Luciana Hashiba, que se dedica à educação para inovação na FGV EAESP, já faz algum tempo que as empresas no Brasil têm dado mais atenção ao Greenovate. Ela, que é especializada na linha de gestão de operações e competitividade nos temas colaboração e desempenho, inovação e sustentabilidade, vem reparando especialmente em duas formas que as organizações têm encontrado para isso. “Um dos caminhos é remediar o que já está feito, ao reduzir impacto ambiental do que já existe. Outro é começar a desenvolver a inovação já partindo desses princípios, que é um pouco mais raro”, situa. “Já existem empresas fazendo isso e outras terão de entender e começar a desenhar produtos e serviços preocupando-se com sustentabilidade”, defende Luciana.
Outro incentivo tem relação direta com o caixa. A BlackRock, a maior administradora de ativos do mundo, com um recorde de US$ 10 trilhões sob gestão, desde 2020 coloca a sustentabilidade no centro da estratégia de investimento. E a partir deste ano, quem investir em fundos da companhia será informado do impacto do seu portfólio sobre o clima do planeta. “Cada vez mais fundos ou mesmo bancos na concessão de crédito, por exemplo, vão olhar com lupa alguns critérios para investir em empresas inovadoras. Um deles é ter práticas ESG comprovadas por métricas”, prevê Philippe Figueiredo, analista da unidade de inovação do Sebrae Nacional. Na visão de Figueiredo, o processo inovador deve, inclusive, abarcar as vertentes Social (Social) e Governance (Governança), além de Environmental (Ambiental), que formam a conhecida sigla em inglês. “Ao se depararem no mercado com um celular inovador, os consumidores vão perguntar se ele é realmente menos impactante para o meio ambiente, quão ética é a fabricante em suas relações com a sociedade, se o board da companhia leva em conta a diversidade etcetera”, enumera.
De acordo com o estudo A Evolução do ESG no Brasil, realizado pelo Pacto Global em parceria com a Stilingue, investimentos ESG estão no centro da estratégia das maiores instituições financeiras pelos próximos três a cinco anos. Além disso, tanto Millennials (nascidos entre 1981 e 1995) quanto membros da geração Z (até 2010) revelam forte interesse por investimentos sustentáveis. Nos últimos anos, 78% dos Millennials e 84% dos Zs declararam optar por esse tipo de aplicação. “Neste sentido, o clamor vem da maior percepção sobre o posicionamento e a responsabilidade das empresas acerca de problemas que atingem a vida cotidiana, como por exemplo as mudanças climáticas, a diversidade e inclusão, o apoio às vítimas de uma guerra, ou a mobilização pelo combate à pandemia”, nota Fabrício Luz Lopes, gerente executivo de tecnologia e inovação do Sistema Fiep, do Paraná. “O que se destaca é a crescente busca por empresas capazes de gerar valor a partir de um propósito que faça sentido para sua cadeia, o que só é possível tendo a inovação e a sustentabilidade como nortes”, diagnostica.
É o que pensa, também, André Pereira de Carvalho, pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. Especializado nas áreas de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e sustentabilidade e inovação, ele prega um conceito mínimo para que determinado produto ou serviço seja considerado inovador. “Se inovar é fazer melhor, e creio nisso, é preponderante levar em conta aspectos ambientais e também sociais”, opina. “Quando uma inovação qualquer entrega um resultado melhor, mas com efeito negativo do ponto de vista dos impactos na biosfera, não deveríamos levar em conta também este aspecto negativo?”, questiona. Carvalho usa o exemplo da mobilidade nos grandes centros urbanos para embasar seu raciocínio. As SUVs, que costumam ter porte avantajado, além de interior espaçoso, são pouco eficientes sob o olhar da sustentabilidade já que utilizam combustível fóssil, são pesadas e utilizadas para levar, em média, uma pessoa de 70 quilos de um ponto a outro. “Naturalmente existe um componente mercadológico de inovação, mas será que uma cidade com mais SUvs é sustentável realmente?”, pontua.
A locadora de automóveis Movida tem apostado na sustentabilidade como modelo de negócios. A companhia oferece carros elétricos na frota, hoje a maior de veículos de passeio 100% eletrificados do país (são cerca de 800 carros). “Acreditamos que o carro elétrico é, e será, o ponto central na revolução da mobilidade urbana. Nossa meta é eletrificar a frota em 20% até 2030 e reduzir em 30% a emissão de gases de efeito estufa”, anuncia Renato Franklin, CEO da Movida. Para viabilizar o negócio, a marca inaugurou em São Paulo, em dezembro do ano passado, a primeira loja direcionada para o ecossistema de mobilidade elétrica, onde são disponibilizados carregadores rápidos e ultrarrápidos para os clientes. “Um dos próximos passos é expandir a frota de veículos híbridos e elétricos e instalações de carregadores para o Sul do país”, antecipa. Outro projeto que vai ao encontro de soluções sustentáveis é o Movida Cargo, serviço de locação de veículos utilitários para empresas e que também conta com frota elétrica. O objetivo é impulsionar a mudança de cultura na sociedade, enxergando a mobilidade como peça de uma economia colaborativa e como instrumento de inclusão social, contribuindo para a geração de empregos. A Movida defende que toda inovação deve estar associada também à sustentabilidade. Nesse sentido, a companhia implementou processos totalmente digitais reduzindo a geração de resíduos. A retirada do veículo na loja passou a ser feito por meio da abertura de contratos pelo tablet, recurso hoje disponível em todas as unidades da marca. O resultado não poderia ter sido melhor: no ano passado, mais de 70% da receita da companhia nasceu de processos iniciados no meio digital.
As empresas estão gradativamente adicionando componentes de sustentabilidade aos seus produtos. Recentemente, a Ambev anunciou que o Guaraná Antarctica é o primeiro refrigerante no Brasil a ter toda a sua produção de garrafas com PET 100% reciclado. Já a cerveja Colorado lançou a primeira garrafa de vidro totalmente reciclada, em escala industrial, pois 100% do conteúdo utilizado para a produção da embalagem passa pelo processo de reciclagem. Ou seja, toda garrafa desse produto já foi uma garrafa antes. Esse feito é pioneiro pela complexidade do processo. Essa foi a primeira garrafa a utilizar 100% de cacos de vidro para sua produção (as garrafas tradicionais têm em média 50% de material reciclado).
A Nestlé é outra companhia que também tem feito progressos nesse sentido. A marca substituiu todos os canudos plásticos das bebidas por alternativas de papel, retirou o filme plástico externo da caixa de bombons Especialidades, criou uma embalagem para Nescau Orgânico que dispensa o uso de tampas plásticas e também lançou uma embalagem de sachê da marca Mucilon com menos plástico na composição e totalmente desenhada para ser reciclada. “São, todas elas, soluções que demandam investimentos em tecnologias que vão do redesenho das embalagens a ajustes de processos produtivos e equipamentos na fábrica”, diz Barbara Sapunar, diretora de comunicação e sustentabilidade da Nestlé Brasil. A multinacional suíça tem o compromisso de reduzir e eliminar o desperdício na cadeia de embalagens e está intensificando suas ações para tornar 100% de suas embalagens recicláveis ou reutilizáveis até 2025 – hoje, 97% das embalagens são desenhadas para serem recicladas ou reutilizadas.Mais ainda: ao lidar com alimentos, a companhia também consegue dar pitadas “green” ao portfólio. Nos últimos dois anos, a marca tem investido constantemente em inovações de origem vegetal. As cápsulas Nescafé Dolce Gusto, por exemplo, ganharam versões vegetais. Ainda em 2021, Kitkat trouxe ao mercado sua versão Vegan, o primeiro lançamento com certificado vegano da marca em uma versão com ingredientes à base de plantas e produzido com cacau 100% sustentável.
Plantando “inovabilidade”
Por vezes, estar dentro de uma cadeia industrial que naturalmente está em contato com o meio ambiente facilita a conexão com a inovação. Esse é o caso da Suzano, tido como uma referência pelos analistas entrevistados por AMANHÃ. Desde a criação da Suzano S/A em 2019, fruto da fusão da Suzano Papel e Celulose com a Fibria, a empresa que já nasceu como a maior produtora mundial de celulose adotou o termo “inovabilidade” que significa, segundo a própria companhia, “inovação a serviço da sustentabilidade”, como recorda Cesar Bonine, gerente executivo de P&D da Suzano. “Quando analisamos as megatendências e a vocação e o papel que a Suzano tinha e tem para o planeta e para as mais de 2 bilhões de pessoas atendidas diariamente com nossos produtos, percebemos a importância da inovação e sua ligação direta com a sustentabilidade”, conta. “Considerando a natureza do negócio, a árvore plantada, entendemos que a inovação e sustentabilidade estão totalmente conectadas”, completa. Exemplo disso são os produtos que alinham conceitos de uso racional de recursos, como água na indústria e nos cultivos florestais, conservação ambiental, controle biológico de pragas e doenças, entre outras ações práticas que a empresa define como intensificação sustentável. “Isso faz com que maximizemos a produção, os recursos naturais e possamos disponibilizá-los para outros usos”, detalha Bonine. Mais recentemente, com a demanda para substituição do plástico por soluções mais sustentáveis, a companhia iniciou um novo ciclo de desenvolvimento de produtos para esse fim, copos e canudos de papel e uma linha de embalagens flexíveis, tanto para a indústria de cosméticos quanto para a de alimentos. Esses novos desenvolvimentos estão alinhados ao compromisso de longo prazo de oferecer 10 milhões de toneladas de produtos de origem renovável, até 2030, para substituir plásticos e derivados do petróleo.
A Ikea, marca global de móveis e decoração, tem lançado mão do reaproveitamento de materiais, entre outras práticas ligadas ao conceito de economia circular, para cumprir a missão de oferecer design acessível à maioria das pessoas em todo o mundo. Em abril, a Ikea lançou na Europa uma campanha que tem por mote dar utilização a objetos de segunda mão, com o propósito de estimular os clientes a encontrarem uma solução sustentável para móveis de que já não precisam, ou que necessitem de alguma reparação. A iniciativa destaca os serviços de circularidade da marca disponíveis durante todo o ano. Um dele é a área circular, que permite ao cliente poupar no preço e reduzir no desperdício ao comprando artigos em segunda mão. Outro serviço é o programa segunda vida, por meio do qual móveis usados da Ikea podem ser revendidos pelo cliente, que recebe um cartão de reembolso e, também, o serviço de ferragens grátis em loja. “Queremos criar uma maior reflexão sobre a dinâmica de compra e venda, potenciando comportamentos mais amigos do ambiente ao prolongar a vida de móveis que temos em casa, dando-lhes uma segunda vida, ou encontrando a melhor solução para os nossos clientes”, afirma em nota a AMANHÃ Mónica Sousa, responsável de marketing da Ikea em Portugal.
Praticar Greenovation não é só para os grandes. Duas empresas do Paraná mostram que é possível, sim, unir os conceitos de sustentabilidade e inovação, independentemente do porte. A Beckhauser Equipamentos Pecuários, de Maringá, adotou soluções que lhe valeram, no ano passado, o primeiro lugar na categoria micro e pequena indústria do Prêmio Sesi ODS. Além da estação de tratamento dos efluentes, a indústria implementou um sistema de reuso da água e de tanques para captação de água da chuva. Dependendo do fluxo das chuvas, o sistema permite uma economia de quase 600 mil litros de água por ano. “É uma inovação no processo produtivo que gera sustentabilidade ambiental e econômica”, avalia Fabrício Luz Lopes, gerente executivo de tecnologia e inovação do Sistema Fiep.
A Tecnotam, fabricante de embalagens industriais de médio porte, com sede em Balsa Nova, é outro exemplo. Seu trunfo é ter desenvolvido a Be Back, uma plataforma integrada que possibilita controlar todo ciclo de vida das embalagens: envase do produto (produtor), utilização pelo cliente (consumidor), coleta e recuperação da embalagem vazia (recuperador) e seu retorno ao produtor. Nos últimos três anos foram contabilizadas mais de 50 mil embalagens que passaram pelo ciclo da logística reversa, evitando o descarte irregular e potenciais contaminações de solo e água.
Entre as startups, a sustentabilidade é um elemento inseparável dos esforços de inovação. Criada em 2018, a Athena Agro, sediada em Cacique Doble (RS), desenvolve soluções para a identificação de pragas através de inteligência artificial. Para aprimorar a tecnologia, atualmente busca investidores anjos – como são conhecidas as grandes empresas e clientes que firmaram parcerias com as startups para o desenvolvimento do projeto. “A sustentabilidade é um dos pilares da Athena. É a base fundamental, principalmente no setor do agronegócio”, atesta Felipe Consalter, um dos fundadores e CEO da companhia.Um dos grandes objetivos da Athena Agro é reduzir o uso de defensivos na produção a partir de uma arquitetura de inteligência artificial e de redes neurais capaz de identificar as pragas através de imagens que utilizam a própria câmera do celular. Ao identificar a praga, o produtor recebe recomendações de como combatê-la. Concomitantemente, a empresa contratante ganha acesso a um mapa de incidência das pragas na região, podendo criar um plano de forma mais eficiente para reduzir os custos da produção e com defensivos menos lesivos ao meio ambiente.
Imbuída desta mesma visão, outra startup, a Data Ocean, fundada em 2020 em São Paulo vem avançando a passos largos em sua missão de desenvolver uma plataforma de dados para descomplicar a gestão de transportadoras, permitindo a elas redução de custos e ganho de eficiência. Um de seus fundadores, Marcos Antonio Amorim Filho, vê uma longa perspectiva de atuação à frente. “O setor de transporte é um dos principais emissores de dióxido de carbono no país. A ineficiência dele é gigantesca. Em média, 40% do transporte roda com caminhões vazios, simplesmente por ineficiência de logística”, assinala. “Como temos acesso a todos os dados, calculamos qual é a emissão e a conectamos com empresas de crédito de carbono, para que as transportadoras neutralizem ali o CO₂”, conta. Em resumo, a Data Ocean colabora de duas formas para incrementar a sustentabilidade do setor: possibilitando a compensação do crédito de carbono e, de outra parte, ao trazer mais inteligência operacional. “Permitindo mais inteligência de rota, a gente diminui a quantidade de veículo transportando de maneira desnecessária e ineficiente”. Criada em 2020, a startup já passou por um processo de aceleração, na qual é cedido um percentual em troca de investimento e a capacitação dos empreendedores, além de receber um aporte de venture capital do Vale do Silício. Mais uma prova que inovar de olho na preservação do planeta traz excelentes resultados. Resta, agora, só perguntar quando seu negócio também será Greenovate.
Esse conteúdo integra a edição 340 da revista AMANHÃ, publicação do Grupo AMANHÃ, que trouxe os resultados da 18ª edição do ranking Campeãs da Inovação.
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