Por Equipe de Redação
Publicado em 18 de dezembro de 2023
“tsunami de lixo” em Kuta, Bali. Foto: Foto: Istock.
Em entrevista exclusiva ao Terra, Guilherme Brammer ressalta que planeta precisa de soluções de alta escala para a economia circular.
Pensar nas práticas de consumo significa refletir sobre as consequências de nossos hábitos e seus impactos para o Meio Ambiente e o planeta como um todo. Foi a partir dessa ideia que Guilherme Brammer, head de Energia Circular da Ambipar –empresa focada em soluções ambientais–, passou a dedicar esforços para incentivar a sociedade e as indústrias a cooperarem no manejo de resíduos poluentes. Ao Terra, ele conta como teve contato com uma nova metodologia de manejo de materiais e explica como podemos aplicar essas práticas em nosso dia a dia.
Brammer não é um novato na área. Formado em Engenharia de Materiais, trabalhou muito tempo na indústria de matéria-prima, como o aço, papel e plástico. Há cerca de 12 anos, decidiu tomar as rédeas do próprio rumo, saiu das empresas para as quais trabalhava e fundou seu próprio negócio, a Boomera, adquirido pelo Ambipar em 2021.
Na época em criou a empresa, não se falava no termo economia circular –ciência que repensa as práticas econômicas a longo prazo, voltada à reutilização de matérias e resíduos sólidos. Sua ideia era focar na pesquisa de resíduos, principalmente os sólidos provenientes das embalagens e, a partir daí, tentar desenvolver algo em laboratório para o melhor aproveitamento do lixo.
Foi aí que ele conheceu uma cooperativa de catadores situada na Marginal Pinheiros, em São Paulo. “Me encantei com o trabalho que eles faziam e falei: ‘cara, não é possível que aqui, no século 21, ainda temos, em uma grande cidade como São Paulo, uma cooperativa de catadores de material reciclado trabalhando dessa forma, sem nenhum equipamento de segurança, tirando a sua subsistência daquele local”, explica.
Naquele dia, nasceu o que o especialista chama de ‘ciência com consciência’, na qual, em sua empresa, tudo que entra precisa sair melhor do que entrou, como ele próprio descreve.
“Trabalhamos juntos com as cooperativas, desenvolvendo o método delas, como aumentar a capacidade produtiva, melhorar a forma de trabalho, junto com a área técnica da empresa, desenvolvimento de novos produtos. Fomos vendendo esse serviço para o mercado, para grandes empresas e virou o que virou, uma empresa de economia circular, que foi adquirida pela Ambipar em 2021, justamente focando a indústria e a alta escala”, conta.
A empresa atua em diversos segmentos do mercado para oferecer serviços e produtos voltados à gestão ambiental, promovendo transformação, e, atualmente, conectada com 500 cooperativas do Brasil, número que equivale a metade das existentes no país.
Ele afirma que o planeta precisa de soluções de alta escala para a economia circular, com empresas que tenham iniciativas variadas, e é nisso que a Ambipar trabalha.
“Está na hora de realmente mostrar para que viemos. Nós, seres humanos, criamos esse problema e somos nós que iremos solucionar”, salienta.
Brammer destaca que esse é o momento de se reinventar. Sair da dinâmica de linearidade –de desenvolver produtos projetados para estragar rápido e serem descartados. É hora de ‘aprender a desaprender’, pois a forma como fomos ensinados a consumir nos trouxe até aqui, tendo que lidar com esse problema global de poluição plástica e uso incorreto de matéria-prima.
Reciclagem no Brasil
Um levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) aponta que o Brasil produziu quase 82 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) em 2022, e somente 4% disso foi reciclado. A coleta de lixo reciclável depende também da separação do material dentro de casa.
Mas afinal, a separação que fazemos em nossas residências pode nos ajudar na questão da poluição ambiental? Brammer diz que sim, apesar de ser um ‘trabalho de formiguinha’. Segundo ele, é necessário que tomemos consciência de como consumimos.
É um esquema de cadeia produtiva: o consumidor precisa e o mercado produz para atender essa demanda. Antigamente, nesses processos, não era levado tanto em consideração a questão ambiental. Mas, conforme a humanidade passou a perceber o quanto a poluição tem prejudicado o planeta, escancarando o problema ambiental, a forma de consumir vem mudando. Daí, surge a necessidade do mercado de também mudar.
“Consequentemente, começa a cobrar de uma maneira mais forte. Não só o nosso consumidor, mas o governo local, você tem os fundos de investimentos cobrando para investir em uma empresa mais sustentável. […] Então, essa loucura que a gente está vivendo agora, ou seja, a pressão gigantesca da sociedade como um todo, para as indústrias que sempre produziram dessa forma, e agora precisam produzir totalmente diferente da noite para o dia”, explica.
Já nascer circular
O planeta já não está mais em aquecimento, mas em ebulição, já que nosso cenário climático piorou. A tendência agora é de que haja o aumento constante de temperaturas, o que apresenta riscos para seres humanos e animais. Tudo isso é impulsionado pela poluição ao longo das décadas, seja ela por descarte incorreto de resíduos sólidos, que contaminam o solo, ou devido à emissão de gases poluentes, com a queima de combustíveis fósseis, como carvão mineral e petróleo.
Essa queima gera a emissão de dióxido de carbono que, por consequência, altera os estoques naturais de carbono do planeta. Essa é uma das causas da mudança de temperatura no planeta. Descarbonizar é uma das saídas. Para Brammer, no entanto, é preciso olhar para como a sociedade pensa na indústria de uma maneira linear, mesmo no século 21.
“Antigamente, vinham para a mesa da área de pesquisa e desenvolvimento alguns temas, como a rentabilidade, e isso nunca vai sair da mesa, escala, experiência do cliente, coisas tradicionais do lançamento do produto. Agora, começa a vir também a questão da circularidade. Se eu vou botar um produto novo no mundo, ele tem que já ser desenhado de forma circular, tem que ser feito de uma forma de fácil manutenção, usar matéria-prima de fácil absorção do mercado de reciclagem. Enfim, produtos que durem mais, mas que mantenham a experiência”, pondera.
Produzir já com a ideia voltada a um produto sustentável e que tenha o benefício de ser reciclado é vantajoso para o planeta e para a economia, pois são gerados mais empregos para abraçar esse trabalho tão importante, e que precisa crescer em todo o mundo.
Mudança promissora
Todo o alvoroço causado pela notícia da ebulição global acendeu um alerta na sociedade. O especialista enxerga isso com bons olhos, pois é uma questão que está em pauta nas empresas, nos governos, e na casa das pessoas. O desafio em mudar isso é gigantesco, mas a partir daí é que surgem novas estratégias para mudar a situação.
Um exemplo disso é a 8ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 28, que terminou nesta quinta-feira, 14. Nela, um acordo assinado conectou, pela primeira vez, as emissões produzidas com o uso de combustíveis fósseis ao aumento das temperaturas do planeta, e projetou um declínio futuro para o carvão, o petróleo e o gás.
“Ou eu faço, ou eu faço. Ou eu faço ou eu vou morrer. Então está num momento muito bom para quem quer entrar nesse tipo de negócio, para quem trabalha com esse tipo de negócio, porque as empresas estão precisando resolver o problema. É fundamental você ter esse tipo de fórum. Não só o que a gente está vendo, mas eu digo também das discussões mundiais. Líderes tomando decisões, os observadores e empresas discutindo o futuro nessa área de descarbonização do planeta. Então, isso é muito legal, porque dali sai ideia, sai acordo, sai compromissos, e depois o pessoal vai ter que correr atrás”, finaliza.
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