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UOL por Sérgio Teixeira Jr. - 14/12/2023

Equipe redação

Por Equipe de Redação
Publicado em 14 de dezembro de 2023

Negociações do Artigo 6 fracassam, e operacionalização do sistema vai ter de esperar até a COP29, no Azerbaijão.

DUBAI – A COP28 já entrou para a história como a conferência em que quase 200 países finalmente concordaram em colocar no papel que precisamos deixar os combustíveis fósseis para trás.

Mas, depois de oito anos, os negociadores ainda não conseguiram definir as regras para o Artigo 6 do Acordo de Paris, que estabelece uma espécie de mercado de carbono global.

Divergências sobre integridade, metodologias, autorizações e revogações de transferências das toneladas de carbono empurraram as decisões para a COP29, que acontece em Baku, no Azerbaijão – ou além.

A ideia central do Artigo 6 é estimular a cooperação internacional por meio de mecanismos de mercado, em duas modalidades principais.

Uma delas, chamada 6.2, permite que países que foram além de suas metas nacionais de descarbonização, conhecidas como NDCs, possam vender esse “excedente” para aqueles que precisam fechar suas contas.

A outra, 6.4, permitiria que países comprassem créditos de projetos desenvolvidos por entes privados, também com o objetivo de cumprir seus compromissos.

Como essas atividades em geral custam menos em países em desenvolvimento, essas transações seriam mais uma possibilidade de transferência de recursos.

A falta de consenso significa que as primeiras negociações provavelmente só vão acontecer depois de o Acordo de Paris, assinado em 2015, ter completado dez anos.

Mesmo que haja uma resolução em 2024, ainda será necessária a operacionalização do sistema. Para Caroline Prolo, advogada especializada em direito climático e colunista do Reset, foi um caso típico de “o ótimo é inimigo do bom”.

“Havia questionamentos sobre integridade, uma demanda legítima e expressa com muita clareza pela sociedade civil”, afirma Prolo. “Mas você só aprende com o sistema rodando. Foi assim com os mercados regulados dos países e também o voluntário. Sem começar, nunca vamos conseguir acertar.”

Naufrágio

O Artigo 6 naufragou apesar de uma série de definições em tese já pacificadas no trabalho realizado ao longo do ano em uma instância técnica da Convenção do Clima da ONU.

No caso do 6.4, a expectativa era que a COP28 adotasse as recomendações apresentadas pelo Órgão Subsidiário para Aconselhamento Científico e Técnico (SBSTA, na sigla em inglês).

Mas uma tentativa de usar o termo “acolher” para se referir a essas recomendações abria a brecha para que todo o trabalho tivesse que ser refeito e tirou as negociações dos trilhos.

Um dos motivos era a falta de clareza sobre o que seriam emissões evitadas. “Uma usina a carvão que deixou de ser construída poderia emitir esses ‘créditos’?”, diz uma pessoa que acompanhou as negociações.

O impacto de mais um atraso pode se refletir também no mercado voluntário, em que empresas compensam suas emissões mesmo sem imposições regulatórias.

Havia a expectativa de que a chancela da ONU pudesse servir como mais uma garantia para os compradores, especialmente depois de uma série de escândalos revelados nos últimos meses.

“O atraso do artigo 6.4 não é uma vitória da integridade ambiental, é uma vitória da agenda antimercado”, disse Andrea Bonzanni, diretor de políticas internacionais da IETA, uma entidade que promove o comércio de emissões de carbono.

Mas ativistas e observadores apontavam possíveis brechas que poderiam levar a abusos ou a entrada de ativos de baixo valor, desacreditando o sistema todo.

É a opinião do centro de estudos Carbon Market Watch, especializado no tema. “O texto na mesa representava o risco de reproduzir os erros do mercado voluntário”, diz Gilles Dufrasne, diretor de políticas da entidade. “Rejeitá-lo foi a melhor opção.” 

Negociações bilaterais

Nas transações bilaterais (artigo 6.2), a divisão mais contundente dizia respeito à transparência e integridade. O sistema é mais simples. Dois países podem negociar entre si, o que já vem acontecendo há algum tempo.

Mas, para que essas transações sejam válidas dentro do Acordo de Paris, precisam ser registradas para que não haja o risco de que as reduções de emissões sejam computadas em duas metas nacionais (ou NDCs) diferentes.

Sem as definições esperadas de Dubai, as tratativas bilaterais podem seguir em frente, mas para que sejam refletidas nas contas nacionais vai demorar mais tempo.

A Suíça, um dos maiores interessados nesse tipo de solução, tem um acordo com vários países. Outros compradores já ativos incluem Coreia do Sul, Japão e Canadá.

“É importante que os países não fiquem esperando o resultado da próxima COP para se mobilizar. O Brasil já deveria começar a criar os mecanismos para pode participar do mercado quando a NDC for cumprida”, diz Renata Amaral, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe responsável pela área de Clima e Ambiental.

Empurrão para o mercado voluntário

A intenção da presidência emirática da COP28, que colocou seu peso por trás da contraofensiva dos defensores dos créditos de carbono, era reforçar o mercado desatando o nó do Artigo 6.

“Senhoras e senhores, o mercado voluntário voltou”, disse num evento um representante de Majid Al-Suwaidi, diretor-geral da conferência. A afirmação vai depender em grande medida da mobilização coletiva que o setor anunciou em Dubai.

Mesmo antes do colapso das negociações, no setor a percepção era que o eventual benefício seria limitado. “Os mercados não estão esperando a ONU”, disse ao Reset Plinio Ribeiro, veterano de 13 COPs e CEO da Biofílica Ambipar.

Do lado dos bancos, existe a expectativa de que a arrumação em curso possa finalmente levar esse tipo de instrumento a atingir o potencial há muito prometido.

Hoje, as negociações não passam de US$ 2 bilhões anuais. “Só nos Estados Unidos o mercado de animais domésticos movimenta algo como US$ 60 bilhões”, diz Eron Bloomgarden, da Coalizão Leaf, um consórcio de grandes compradores privados de créditos de carbono.

“Estou muito otimista quanto a esse negócio no longo prazo”, disse à Bloomberg o vice-chairman de bancos e mercados de capitais do Citi, Jay Collins.

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