Por Equipe de Redação
Publicado em 22 de dezembro de 2023
A aprovação nesta quinta-feira (21) pela Câmara dos Deputados do projeto que cria o mercado de carbono regulado no Brasil foi encarado, por especialistas, como um passo importante para o país avançar, ainda que não seja o melhor texto e deixe conceitos passíveis de múltiplas interpretações. A matéria ainda precisa passar pelo Senado Federal no ano que vem e retornar, para o último aval, à Câmara dos Deputados.
O texto determina que empresas que emitam a partir de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) por ano devem submeter um plano de monitoramento das emissões que será submetido à avaliação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), mecanismo criado pelo projeto de lei. O plano precisa incluir as ações que serão tomadas para reduzir e remover gases de efeito estufa da atmosfera, além do próprio relatório de emissões.
Já quem emite mais de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano estará sujeito a multas e deverá compensar o prejuízo comprando créditos de carbono no mercado ou cotas de empresas que não atingiram seu limite. Também terão de enviar um relatório que conste a “conciliação periódica de obrigações”.
“É uma legislação histórica em termos de descarbonização para o país”, diz Annie Groth, líder de Advocacy e Engagement da Biofílica Ambipar, empresa que administra projetos de carbono. “É a primeira vez, desde a criação da Política Nacional sobre a Mudança do Clima (Lei no 12.187/2009), que a gente conseguiu caminhar com uma legislação que trouxesse um plano de redução de emissões para diversos setores”, acrescenta.
Ela destaca que a legislação, se aprovada, também incentiva projetos de conservação, restauro e outros que podem reduzir ou remover carbono. Isso é muito importante, diz, “dado contexto brasileiro”, que tem mais da metade das emissões proveniente de desmatamento, degradação florestal e de mudança no uso do solo.
Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG), as mudanças do uso da terra, que tem ligação com desmatamento para pastagens e plantações, foram responsáveis por 48% do total de emissões de gases em 2022, enquanto a agropecuária foi o segundo setor mais poluente, com 27%.
Groth também vê o copo meio cheio ao lembrar que poderia ter sido uma legislação focada apenas nos setores mais emissores, mas que acabou permitindo a criação de oportunidades para tratar o problema maior do quadro de emissões do Brasil, que é a questão florestal.
Para João Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados Associados, a regulação de emissões da agropecuária é uma discussão importante, mas que deve ser feita com tranquilidade. “Enquanto não houver mecanismos claros para quantificar as emissões, a exclusão das atividades do Agronegócio é uma medida que evita novos encargos para o setor, que já lida com desafios da Reforma tributária e regulatórios”, diz.
Annie Groth acredita que a legislação vai criar incentivos e maior segurança jurídica para os Investimentos em projetos do tipo. Ela lembra que a regulamentação das emissões é uma tendência mundial e que empresas exportadoras para a União Europeia, por exemplo, já precisam enfrentar, com a promulgação do CBAM, Carbon Border Adjustment Mechanism, que cobra tarifas extras de produtos intensivos em emissões. “Se a Indústria brasileira não tiver preparada, com estratégias de baixo carbono, vai perder oportunidade de Exportação ”, diz.
Para Isabela Morbach, advogada e cofundadora da CCS Brasil, organização sem fins lucrativos que estimula a cooperação para a descarbonização da economia brasileira, do ponto de vista das empresas e das indústrias, o avanço da aprovação é positivo, ao sinalizar que o tema está avançando e há interesse em aprovar a criação do mercado regulado de carbono o mais rápido possível. Mas ela ressalta que, por trazer temas novos e pouco debatidos, “pode trazer algumas inseguranças”.
“Um exemplo é que o projeto do Senado definia que o projeto se aplica a atividades e fontes estacionárias que emitem CO2. O projeto atual amplia para fontes móveis, ou seja, além de fontes estacionárias, como plantas de geração de energia, indústrias entre outros, inclui também fontes móveis. E isso abre várias dúvidas. Se aplica a frotas de veículos? Quais os limites dessa ampliação? O conceito é amplo e fica essa dúvida”, explica a advogada.
Para ela, o encaminhamento ao Senado dá a oportunidade de discutir melhor conceitos e pontos inovadores. “Podemos amadurecer as inserções trazidas pela Câmara, aperfeiçoar alguns pontos como os que discutimos acima”, diz.
Um ponto de atenção e preocupação para as empresas, segundo Morbach, é em relação à definição das multas. “Elas são altas, há pouca clareza sobre como elas serão definidas. Existe uma base de cálculo e uma limitação de 3% sobre o faturamento bruto que é bem alta. Esse ponto precisará ser discutido e aperfeiçoado porque o valor é alto.”
Luciana Gil, sócia da área ambiental do Bichara Advogados , também levanta o ponto do custo para as empresas. “Vai representar um custo com impacto significativo. Hoje não há obrigações, tampouco metas de emissões. Com a implementação do SBCE, as empresas deverão se adaptar para regular seus processos produtivos, monitorar/reduzir/compensar as suas emissões nos limites previstos na lei”, aponta.
Para a advogada, quem deve pagar, a princípio, essa conta serão os setores mais emissores, já contemplados no texto, como os de cimento, siderurgia e indústrias em geral, que emitem mais de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente por ano. “Eles serão impactados e levados a cumprir com as obrigações da nova lei, inclusive com limites de emissão e necessidade de compensação. Mas esse custo, diz, poderá acabar chegando ao consumidor final.
Na questão dos custos, Annie Groth, da Biofílica Ambipar, pontua que, apesar de multas e custos com conciliação – compra de cotas ou créditos de carbono – onerar as companhias, por outro lado, também incentiva quem fizer o dever de casa e reduzir as emissões.
“Há diversas formas de reduzir poluição, como consumir energia mais limpa, aprimorar sistemas internos para evitar desperdícios, e outras. E quem conseguir ficar abaixo do teto ainda pode vender no mercado suas cotas restantes e lucrar com isso. É um incentivo financeiro para as empresas reduzirem suas emissões”, explica.
Groth lembra ainda que os tetos de cada setor ainda não são conhecidos e só após os números serem definidos que será possível ter dimensão de quantas empresas estão desenquadradas do limite de 25 mil toneladas de CO2 por ano de emissões. “Dependendo do teto, tem chance de não pagar nem multa nem nada.”
– Fonte: originalmente publicado em https://valor.globo.com/brasil/esg/noticia/2023/12/22/mesmo-com-pontas-soltas-pl-do-carbono-e-bem-recebido-por-especialistas.ghtml
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