Por Equipe de Redação
Publicado em 29 de março de 2022
Joint-venture vai usar créditos de carbono como incentivo para 10 mil fazendas fornecedoras do frigorífico em Argentina, Colômbia, Paraguai e Uruguai.
O frigorífico Minerva Foods fechou uma parceria com a Biofílica Ambipar para ajudar dois terços dos pecuaristas da sua cadeia de fornecimento a reduzir suas pegadas de carbono, numa transição de longo prazo que será financiada com créditos de carbono.
As duas companhias assinaram um memorando de entendimentos para a formação de uma joint-venture que vai atuar nos mercados do Paraguai, Argentina, Colômbia e Uruguai. A Minerva estima que cerca de 10 mil dos seus 15 mil fornecedores pecuaristas estejam nesses quatro países.
No Brasil, que concentra o restante dos fornecedores de gado, a companhia já tem um projeto semelhante envolvendo créditos de carbono, também em parceria com a Biofílica Ambipar.
O programa faz parte do esforço do frigorífico de atingir a neutralidade de emissões até 2035. O compromisso inclui suas próprias operações (escopos 1 e 2) e também as de seus clientes e fornecedores (escopo 3).
“Queremos ajudar o produtor a aumentar sua produtividade, com intensificação da alimentação, melhores técnicas de manejo do solo e redução da idade de abate”, diz Taciano Custódio, diretor de sustentabilidade da companhia. “Assim, estamos reduzindo a pegada de carbono dos pecuaristas e também nosso escopo 3″.
A ideia é utilizar os créditos de carbono como indutores dessa transformação. Mas as duas empresas ainda não falam em projeções do quanto pode ser gerado em créditos.
Existem pelo menos três áreas potenciais para geração de créditos de carbono em fazendas de criação de gado – nem todas elas diretamente relacionadas à pecuária.
A primeira, e que tende a ter mais volume, é evitar o desmatamento. São os projetos conhecidos como REDD+ (sigla em inglês para Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal).
Outras oportunidades são o uso de técnicas da agricultura regenerativa, que se concentram no cuidado com o solo, e reflorestamento.
Mas tudo isso é um processo de longo prazo. A geração dos primeiros créditos deve demorar pelo menos três anos, na estimativa de Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica Ambipar.
Os créditos de carbono da agricultura ainda são relativamente novos e exigirão aprendizado. “Os projetos florestais estão pelo menos 15 anos na frente, tanto em metodologia quanto em experiência prática”, afirma Ribeiro. “Estamos falando de uma transformação de tudo, e ela vai levar tempo.”
O plano é que a nova companhia atue diretamente na educação dos pequenos e médios pecuaristas e, posteriormente, no trâmite de certificação e emissão dos créditos.
A maior parte dos créditos ficará com os fazendeiros, e os sócios da joint-venture serão remunerados com uma porcentagem (também a ser estabelecida).
O desenho final da joint-venture ainda não está 100% definido, mas a expectativa é ter algo concreto em seis meses, pois tem crescido muito a demanda de empresas que querem neutralizar emissões por meio de offsets, diz Ribeiro.
Um dos potenciais compradores dos créditos de carbono é a própria Minerva, já que é provável que compensações sejam necessárias para que a companhia cumpra o compromisso de se tornar net zero.
Mas esse não é o objetivo principal da parceria, dizem as duas empresas.
Olho na exportação
O projeto é estratégico para a Minerva, diz Custódio, porque a companhia faz apenas o “desmonte” dos animais. “Não conseguimos agregar alguns valores perceptíveis do produto, como o marmoreio de gordura da carne. Isso quem faz é o produtor rural.”
E o impacto ambiental do bife, do pasto até o prato, é outro “valor agregado” cada vez mais exigido pelos consumidores, especialmente os internacionais – 70% da receita da empresa vem da exportação.
Custódio acredita que a solução passa por um conjunto de medidas, boa parte financiadas pelo mecanismo do mercado de créditos de carbono.
Pelo menos por enquanto, as medidas não contemplam diretamente a fermentação entérica, o proverbial “arroto do boi”, responsável por um quinto das emissões de gases de efeito-estufa no Brasil.
Hoje ainda não existem maneiras eficazes e cientificamente comprovadas para capturar o gás metano expelido pelo gado e, portanto, elas não podem ser utilizadas para a geração de créditos.
Mas a degradação causada pelo mau uso da terra, que inclui, mas não se limita ao desmatamento, é uma questão ainda mais urgente, diz Ribeiro.
Resolvê-la pode ter um impacto tão poderoso, que até o problema do metano seria contornado – pelo menos até que surjam tecnologias eficazes para lidar com esse gás.
Resultados iniciais de um piloto realizado pela Minerva e pela Embrapa indicam que as técnicas sustentáveis de manejo do solo podem resultar num balanço negativo de CO2 equivalente – ou seja, em vez de emissoras, as fazendas se tornam sumidouros dos gases de efeito-estufa.
Olho nos vizinhos
“No fim das contas, tudo vai acontecer no nível das propriedades”, afirma Ribeiro. “Os pecuaristas terão de conhecer e adotar novas práticas.”
Isso representa um desafio de escala considerável, já que os produtores se contam aos milhares e, como é típico no mundo do agronegócio, são adeptos convictos do “ver para crer”.
Custódio argumenta que o relacionamento com os pecuaristas interessados no mercado internacional é uma vantagem. “É um produtor muito mais aberto à inovação.”
Um dos primeiros alvos da joint-venture deve ser o Paraguai, país que exporta 80% da produção de carne bovina e que tem problemas de desmatamento no bioma do Chaco.
Outro argumento será o da produtividade da atividade fim da propriedade rural. Custódio fala em um “pacote tecnológico de desenvolvimento sustentável”.
Um pasto de melhor qualidade significa um animal que ganha peso mais rápido e pode ser abatido mais cedo – o que tem impacto direto nas emissões de metano.
Esse ciclo positivo completo, afirma o executivo, terá muito maior que as eventuais receitas extras com a venda dos créditos de carbono. “Estamos falando de competitividade no mercado mundial de carne.”
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